domingo, 4 de setembro de 2011

A CRUZADA CONTRA OS ALBIGENSES 1209-1249 Parte 2

Figura 4 – Quadro representando trovadores em harmonia com a realeza (de http://histoire-ma.chez-alice.fr/troubadours/Troubadour/#)


Os Trovadores

Primeiramente faremos exposição da visão de que descreve com riqueza de detalhes as características dos trovadores e seu ineditismo na Idade Média.
Foi nessa França occitana, do início do século XII, que se constituiu o que chamamos de «grande canto cortês», isto é, a poesia musical cantada pelos trovadores. As primeiras canções muito toscas evocavam da vida quotidiana de uma aldeia senhorial, até a poesia sutil do «trobar clus», estilo fundamentado na metáfora. As canções eram escritas na língua occitana, a «langue d’Oc».
A palavra «Trobar» designa a arte lírica aparecida quase espontaneamente no século XII. Mas ela significa bem mais que isso : uma ética, uma arte de viver, de onde não podemos perceber a essência senão através das obras dos trovadores. A complexidade reside no número de trovadores pois cada um deles possui sua própria sensibilidade que exprime através de cada um de seus poemas.

A palavra «trovador» pode designar homem ou mulher (troubadour ou trobairitz) e traz em si mesmo a qualidade que deve possuir : trouver ou encontrar. São aqueles que encontram as palavras e a música. Eles são autores, compositores mas também devem saber cantar. Com as alusões, as reflexões e as idéias subjacentes dos poemas, podemos ver que eles possuem uma certa ordem ou instrução e até mesmo em alguns casos uma erudição elevada. Nas letras eles eram reis, imperadores, duques ou condes, cavaleiros, nobres empobrecidos, monges, cânones, filhos de servos, comerciantes, etc.
Antes deles, por séculos, a poesia era latina e frequentemente de origem religiosa. Os trovadores não escreviam em latim mas na sua língua de origem: a língua de Oc (langue d’Oc). Essa língua era falada por todas as populações do sul da França. Era compreendida por algumas populações da península Ibérica e do norte da Itália. Dante Alighieri se perguntou se devia escrever em língua d’Oc ou em Italiano. Isto é, era um idioma importante na Idade Média. No norte da França, na mesma época, 5 ou 6 línguas eram faladas. Era decerto próxima do latim. Poderíamos dizer que era o latim falado pelas populações do sul que havia evoluído. Na época, também se chamava esse idioma de romano.
Para que uma língua produza poesia, é necessário que sua gramática e seu vocabulário sejam já fixados. Era necessário que algumas classes da população, entre as mais instruídas, a utilizassem para a fazer evoluir. E foi esse o caso com a língua d’Oc pois havia a comunidade e a organização social de Poitiers até Marseille.
Mas era necessário também que essa comunidade tivesse cultura para apreciar a poesia. Era necessária de sua parte uma vontade, de se destacar da barbárie reinante, de polir os costumes. Era uma civilização que se construía.
Em ritmos, rimas e harmonias eles participaram do nascimento da música ocidental. Não se pode esquecer as influências culturais exteriores trazidas pelos cruzados e as que já estavam presentes na península Ibérica.Ao contrário dos poetas de língua latina, a inspiração dos trovadores não era mais religiosa. O assunto de predileção era o amor e o objeto desse amor, a mulher a quem chamavam “Dame” ou “Domna”.

Esse amor cantado tinha algumas características de subversão da ordem para a sociedade vigente. Tratava-se frequentemente de amor adúltero onde a dama era nobre, casada com um senhor de linhagem mais elevada que o trovador, mesmo sabendo do rigor com que se punia uma mulher adúltera naquele tempo.
Tendo em conta o risco, podemos concluir que se tratava de uma reação contra a ordem estabelecida e as convenções sociais.
Há séculos o casamento era uma instituição católica, um sacramento onde o amor não fazia parte do jogo. A jovem era moeda de troca nos jogos políticos dos senhores feudais. O jovem rapaz, nada podia desejar que fosse diferente das decisões paternais. Porém, tinha um pouco mais de sorte pois a sociedade não o punia por trair a sua mulher. Além disso ele poderia eventualmente repudiá-la. A ruptura com os costumes estabelecia uma nova relação entre homem e mulher. Uma relação menos interesseira, onde a Dama, cheia de virtudes, inacessível como uma divindade, ensinava o amante a trilhar um longo caminho de cortesias.


Dos trovadores, Belperron (BELPERRON, Pierre. La Croisade contre les albigeois et l’union du Languedoc a la France (1209-1249). Paris, Librairie Académique Perrin, 1967), com opinião contrastante, comenta que a França do Midi foi a pátria da poesia cortesã e, a decadência desta coincide com a conquista francesa. A Cruzada privou os trovadores de um certo número de seus principais membros, sem de qualquer modo atingir os que viviam no Languedoc oriental e na Provence. A Inquisição, que não tinha nenhuma simpatia por essa poesia sem Deus e amoral, não perseguia tanto os trovadores. Enfim nenhuma pressão foi exercida para coagir a língua d’Oc a ceder ao francês. Se a pregação dos dominicanos e dos franciscanos e a influência da nova universidade de Toulouse criaram um clima desfavorável a uma poesia leve, o Languedoc e a Provence contudo não se tornaram místicos e pedantes de uma só vez.A verdade é que a poesia cortesã tinha atingido seu fim. Tornando-se um simples exercício de virtuosidade, ela foi chamada a se extinguir ou a se apagar, como ela o fez, dentro de uma poesia religiosa de cunho acadêmico. Disse Auguste Brun: “Os trovadores desapareceram pela impotência de renovação, vítimas, não do rei da França, mas do artifício que os conferia talento... A produção provincial, que continuou bem além do XIII século, testemunha bem que o que falta é o talento”.


Os Cátaros

Da fonte http://fr.wikipedia.org/wiki/N%C3%A9ocatharisme aprendemos que chama-se Cátaros (do grego καθαρός, « puro ») aos adeptos de um movimento religioso dualista cristão medieval. O nome foi dado por antagonistas a esse movimento, julgado herético pela Igreja católica e adotado posteriormente pelos historiadores. Os adeptos desse movimento se denominavam “Bons Homens”, “Boas Damas” ou “Bons Cristãos”, mas foram chamados “Perfeitos” pela Inquisição.
Principalmente concentrado no sul da França, o catarismo sofreu violenta repressão armada a partir de 1208 quando da Cruzada contra os Albigenses e depois condenado no quarto concílio de Latrão em 1215, à repressão judicial da Inquisição.
A origem é controversa e pensa-se que venha de doutrinas originadas na Bulgária no fim do século X.
Comunidades apelidadas de heréticas pelos católicos apareceram na Europa ocidental pelo ano 1000 sob diferentes nomes conforme a região. A heresia propriamente dita se implantou de forma duradoura durante os séculos XII e XIII. Foi aí que a doutrina foi unificada.
As reações das autoridades civis ou eclesiásticas e da população explica a geografia do catarismo e a sua persistência no Midi. No norte se excomungava e se queimava; no sul organisavam-se colóquios. Segundo Michel Roquebert, essa tolerância religiosa é talvez devida a uma longa coabitação com outras religiões, como o arianismo dos visigodos, proximidade com o islamismo espanhol, e judaísmo.
Foi na França do Midi que os Bons Homens se organizaram em comunidades dirigidas por anciãos, diáconos e bispos. Praticava-se profissões ligadas ao artesanato como a tecelagem. Várias comunidades constituíam uma Igreja ou diocese cátara, à frente das quais se encontravam os bispos. No meio do século XII (1167) as Igrejas cátaras eram em número de cinco; Albi, Toulouse, Carcassonne, Agen e Épernon na França. Eram Igrejas independentes que não conheciam autoridades superiores à dos bispos. Não reconheciam o Papa. As mulheres podiam obter o “consolament” (batismo do espírito e do fogo com imposição das mãos) e acessar assim à vida de “Perfeita”, mas não assumiam funções hierárquicas. Com essa organização os cátaros tentaram imitar a Igreja primitiva, tal como é descrita no novo testamento (epístolas de São Paulo e os Atos dos apóstolos, principalmente).
A teologia cátara provém de um trabalho de pesquisa escriturária, centrada sobre o Evangelho de João. É uma interpretação muito diferente da que fez a Igreja católica. Os cátaros se apoiavam também sobre os numerosos escritos (Paulo, Márcion – forma modificada do evangelho de Lucas, Livro dos dois princípios, rituais, etc.) e se inspiraram em correntes de pensamento mais antigas (paulinismo, gnosticismo, maniqueísmo, bogomilismo) mas guardando sempre diferenças importantes.
Os cátaros procuraram o sentido original da mensagem das Escrituras. A sua fé se baseava sobre os seguintes princípios:
Deus, chamado o Bom Príncipe, existe desde a eternidade e não terá fim. Ele é perfeito assim como toda a sua obra, inalterável e eterna. Ele é onisciente e todo poderoso no Bem.
Ele é o criador do que existe e o que ele não criou, é nada
Os espíritos (anjos) são de natureza divina
No nada está o príncipe mau. Deus não o conhece pois ele está no nada, mas ele ambiciona imitar Deus e consegue convencer uma parte dos espíritos de criação divina pela força ou pela tentação. A partir daí tenta imitar a criação.
Essa criação, vinda de um criador imperfeito e não eterno, era imperfeita e corruptível. Tendo um começo, terá também um fim.
Quando isso aconteceu o Mal se espalhou pela criação. O Mal foi assim vencedor no tempo, mas, não na eternidade. Quando os corpos morreram, os espíritos foram liberados para retornar a Deus. O Bem e o Mal então, não são da mesma natureza e potência.
O Cristo, filho de Deus, veio então para lhes revelar a sua origem celeste e para lhes mostrar o meio de retornar ao céu. Ele não era, como para os católicos, o redentor do pecado da humanidade.
A diferença fundamental entre catarismo e catolicismo reside no fato que, para os primeiros, Deus sofreu com o mal e não puniu ninguém enquanto que para os segundos, Deus sofreu com o mal e puniu os pecadores.Os cátaros se consideravam então como os únicos verdadeiros discípulos dos apóstolos, adotando o modo de vida, os ritos e os sacramentos das primeiras comunidades cristãs. Eles se apoiavam principalmente sobre os ensinamentos do Novo Testamento e sua única oração era o “Pai Nosso”. Todos os outros sacramentos e práticas instauradas pela Igreja católica romana ao longo da Idade Média não tinham nenhum valor.

Belperron têm opinião bem definida sobre a religião cátara e mais uma vez contrasta com o que expusemos anteriormente. Diz ele que a heresia albigense não sobreviveu à ocupação francesa e à Inquisição, mas essa heresia não era nem viável nem apta a substituir a religião católica na missão que esta assumia. O valdismo tinha atingido seu destino provocando o sobressalto franciscano. Ancestral do protestantismo, ele vinha muito cedo em um mundo onde o desaparecimento da Igreja, de sua hierarquia e de sua ação cultural abalava o prédio inteiro. O catarismo, mais ativo, mais construtivo e mais abrangente, tentou se organizar face à Igreja romana e de suplantá-la.
Do ponto de vista doutrinal essa religião era uma regressão. Ante a Universidade de Paris, Fogueira ardente de pesquisas teológicas, o catarismo estava apenas balbuciando. Renunciar às obras dos Pais da Igreja para retornar à Igreja apostólica era um sonho que não podia ser concebido senão fora da realidade humana. Desde os Apóstolos, passando pelas heresias, a Igreja trabalhou para melhor compreender, a esclarecer os ensinamentos do Cristo, a construir um edifício ao mesmo tempo rijo e flexível dentro do qual o dogma podia se adaptar sem se modificar às necessidades da razão humana. Porque o espírito humano, esclarecido ou não pela graça, trabalha sem cessar, o catarismo, já dividido pela oposição dos monarquistas e dos dualistas, foi forçado, se tivesse triunfado, de lutar contra as heresias e de definir melhor a sua doutrina.
Sob o ponto de vista humano o catarismo é indefensável. O ímpeto para a pureza e o zelo apostólico dos “Perfeitos” é tão admirável quanto a ação de um São Bernardo, mas este não tinha certeza de estar mais salvo do que o mais lamentável dos pecadores, ao passo que o “Perfeito” se via como o único digno de se aproximar do trono de Deus. Toda a consolação, todo o socorro espiritual era recusado à massa, incapaz de romper com a matéria.
Do ponto de vista social o catarismo era gerador de anarquia, uma vez que enclausurando uma elite em uma morte em vida, ele abandonava a multidão às suas paixões e instintos, sem lhes impor limites, sem lhes demandar esforços e sem lhes fornecer apoio.
Mesmo sendo estas insuficiências do catarismo conhecidas e demonstradas, a lenda quis atribuir a esta religião idéias modernas de tolerância e de liberação social. Os cátaros têm o álibi de seu insucesso. Eles foram tolerantes como o foi Calvin, enquanto era perseguido; o seu desprendimento dos apelos materiais não resistiu às obrigações da vida e seu desprezo por tudo o que não era puro espírito os tornava inaptos a amar os próximos.O desaparecimento do catarismo não foi – idéias religiosas à parte – um atraso para o progresso da humanidade, e sua vitória, de qualquer forma impossível sob a forma primitiva, teria criado um mundo inviável. Esta religião somente se tornou um mito porque não foi capaz de sair da inocência da primeira infância.

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